No trabalho ou qualquer outro ambiente de convívio social, apelidos jocosos ou perseguições insistentes são comuns
Luiz Beltramin
“Gordo, vesgo, tampinha, manco...” Quem nunca recebeu ou inventou um apelido pelas características físicas, próprias ou de alguém próximo, que atire a primeira pedra. Natural em qualquer ambiente de convívio social, atribuir apelidos, em boa parte, é uma brincadeira sem maldade. Todavia, passados os limites tanto da insistência quanto, principalmente, paciência de quem os recebe, a prática se transforma num tema de nome estrangeiro, mas cada vez com maior repercussão por aqui.
Seja verbo ou adjetivo, o termo bullying é estrangeiro. Sem versão ao pé da letra para o Português, deriva da palavra inglesa bully, que designa o ato de intimidar alguém por meio de algum tipo de superioridade, seja ela física ou psicológica.
Muito comum dentro das escolas – a situação é pano de fundo para muitos filmes e seriados, norte-americanos principalmente, quem não se compadece dos apuros que o personagem do garoto negro Cris do sofre nas mãos de um valentão dentro de uma escola de maioria branca no racista subúrbio nova-iorquino? - a prática, entretanto, salta os muros do colégio.
Seja na hora do cafezinho no trabalho, com aquela conversa de canto sobre a “Janete da contabilidade”, que engordou 20 quilos depois que o marido a trocou por outra o mesmo tanto de anos mais jovem; ou no clube com aquele novo associado gordinho que só é chamado para a pelada de sábado à tarde para ir no gol, isso se falta jogador para completar o time; no bar, na rua...
O que não falta é local para que alguém seja usado como bode expiatório por uma pessoa ou grupos que precisam projetar a agressividade verbal ou física.
Tão antigo quanto à própria convivência forçada entre pessoas diferentes, o bullying tem denominação relativamente nova no Brasil, mas é velho conhecido também por aqui. “Sempre existiu. É que agora se fala mais e há uma denominação”, atesta a pedagoga Francisca Romana Giacometti Paris.
Especialistas advertem que o fato, notório na mídia principalmente após tragédias, supostamente, causadas por vítimas de assédio durante infância ou adolescência que se transformaram em matadores suicidas em busca de vingança pelos tempos de sofrimento, não precisa, necessariamente, terminar em banho de sangue para virar até mesmo caso de polícia.
Ferramenta covarde
E é já no ar condicionado dos escritórios do meio corporativo, ou qualquer outro ambiente de trabalho, bem longe das barulhentas salas de aula e pátios da hora do recreio, que a perseguição sobre gente feita de bode expiatório surge como uma poderosa e covarde ferramenta de intimidação.
Brincadeiras repetitivas e cansativas entre superiores e subordinados, que se sentem acuados e humilhados, fatalmente implicam no ato conhecido por assédio moral. Luís Henrique Rafael, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) para a região de Bauru endossa: nada mais é do que bullying. “Pode ser considerado sim. A humilhação no ambiente de trabalho também pode ser encarada dessa forma”, acentua. “Classificamos o assédio moral como violência, independentemente se há ou não agressão física”, acrescenta. “É terror psicológico. Logo, é bullying”, frisa.
Muitas vezes, completa ele, o bullying no trabalho não está relacionado, necessariamente, a atitudes jocosas. A sobrecarga, ou em casos totalmente inversos de falta de tarefas e exclusão do empregado em reuniões e decisões coletivas, por exemplo, também está na lista das ofensas a que trabalhadores são submetidos, elenca o procurador. “Chefias que sobrecarregam empregados com tarefas impossíveis de conclusão no prazo estipulado com o claro objetivo de forçar a demissão entram na lista de atos passíveis de denúncia”, exemplifica.
Entre 2010 e os primeiros quatro meses do ano, frisa Rafael, aproximadamente 20 casos de perseguição dentro do trabalho foram registrados pelo MPT na região. O número de denúncias, considera o procurador, é baixo. O que não significa que os casos não ocorram com uma frequência muito maior do que apontam as estatísticas. “É pouco (registro) diante da dimensão do problema”, conceitua. “É um processo semelhante aos casos de LER (Lesões por Esforços Repetivivos) ou DORT (Distúrbios Ósteo-musculares Relacionados ao Trabalho), que são atribuídos ao trabalho mais ou menos de uns cinco anos para cá”, compara o procurador.
Afinal, o que é e o que não é?
Com os recentes casos caracterizados por reações violentas de supostas vítimas de humilhação, o termo ganhou muito holofote da mídia e, de expressão estrangeira restrita apenas ao meio acadêmico da psicologia, passou a fazer parte do dia-a-dia. Até demais.
Semana passada, por exemplo, ao tomar o gravador de uma repórter que fazia perguntas “impertinentes”, o senador paranaense Roberto Requião (PMDB) justificou o ato dizendo-se vítima de “bullying” por parte da imprensa. De uma hora para outra, a expressão que designa perseguição e humilhação constantes e duradouras, especificamente usado na Psicologia para casos entre crianças e adolescentes, virou febre.
Parece que tudo é bullying. O fato de chamar um velho conhecido por um apelido, seja num bar ou partida de futebol – nos campos e arquibancadas o que não falta é xingamento – já é taxado com o nome inglês.
Para definir o que é e o que não é bullying, de fato, a psicóloga Marisa Meira, professora na Unesp/Bauru, afirma que, ainda mais sério do que a banalização do termo, é a perseguição atroz aos praticantes. “Sou contra a demonização de quem pratica o bulliyng, que, nada mais é do que retrato da violência presente em nossa própria sociedade”, define.
Doutora em Psicologia Educacional, Marisa, contudo, critica a banalização do termo que, segundo ela, só prejudica as vítimas genuínas as humilhações.
Ao ponto em que episódios com um engravatado de Brasília que se diz alvo de bullying ou um funcionário de empresa chorando as mágoas simplesmente por que foi repreendido, justamente, por eventual falha no serviço se tornam mais comuns, cada vez mais a cortina se fecha frente ao verdadeiro sofrimento.
De acordo com a psicóloga, o limite entre brincadeira e apelidos inofensivos do cotidiano resume-se também ao sentimento: “o diferencial é o sofrimento causado. Todos têm o mesmo direito de convivência. O assédio se diferencia pelo sofrimento”, insiste.
Segundo ela, a falta de um trabalho coletivo, de transformação social é mascarada pela perseguição à quem, eventualmente, pratica o bullying. Identificar pessoas com tendências a praticar ou que desencadeiem eventuais distúrbios após assediadas, analisa a especialista, é o de menos. “A questão está mal discutida. Não se discute o que desencadeia nas pessoas a tendência à agressividade. O termo é mal usado”, reprova.
Fonte: http://www.jcnet.com.br/detalhe_geral.php?codigo=206525